A igualdade de gênero tem sido um tema central nas discussões sobre justiça social e
desenvolvimento sustentável nas últimas décadas. No ambiente corporativo, onde as
decisões estratégicas moldam o futuro das organizações e, em última instância, das
economias globais, a disparidade de gênero continua sendo um desafio significativo.
Globalmente, as mulheres representam 42% da força de trabalho, mas apenas 31,7%
ocupam cargos de liderança sênior. A desigualdade é mais evidente no nível de C-suite,
onde apenas 25% das posições são ocupadas por mulheres. Este cenário reflete a
dificuldade contínua para as mulheres alcançarem os níveis mais altos nas organizações.
Neste contexto, a voz de líderes da nossa rede como Mel Campos, uma profissional
multifacetada apaixonada por criatividade, inovação e empreendedorismo, torna-se
fundamental. Mel atua no ecossistema de design, inovação e empreendedorismo,
dedicando-se a fomentar, apoiar e compartilhar conhecimento tanto em iniciativas privadas
quanto públicas.
Em comemoração ao Dia da Igualdade da Mulher, conversamos com Mel para entender as
dinâmicas atuais da igualdade de gênero nas corporações, analisando os avanços, desafios
e oportunidades que ainda estão por vir.
- Como você avalia a evolução da participação das mulheres em cargos de liderança
nos últimos anos, especialmente em ambientes corporativos voltados para a
inovação?
Embora tenhamos observado alguns avanços, os dados ainda são alarmantes e
preocupantes. O Brasil, ocupa a 11ª posição no ranking mundial de presença
feminina em cargos de liderança, segundo pesquisa da consultoria Grant Thornton,
com apenas 37% dos cargos de liderança sênior ocupados por mulheres,
ressaltando que houve uma queda de 2% em comparação ao ano passado. Quando
falamos de mulheres negras, a representatividade é significativamente menor, com
apenas 3%, segundo o IBGE.
Em ambientes de inovação, onde se espera uma mentalidade mais disruptiva e
inclusiva, a presença feminina é ainda mais restrita, representando apenas 20%.
Apesar disso, eu acredito que estamos trilhando um caminho de transformação. Os
desafios são constantes e, muitas vezes, nem temos tempo para comemorar uma
conquista antes que surja um novo obstáculo. Mas, mesmo assim, mantenho minha
esperança e a certeza de que estamos construindo, passo a passo, uma realidade
melhor e mais justa para as mulheres em todos os espaços, inclusive na liderança. - Quais são as principais barreiras que as mulheres ainda enfrentam ao tentar
alcançar cargos executivos em grandes empresas?
As barreiras que as mulheres enfrentam são diversas, mas o machismo estrutural é,
sem dúvida, a base de todas elas. A falta de preparo das organizações para orientar
as mulheres em direção à liderança é uma questão central. Muitas vezes, quando
uma mulher finalmente alcança um cargo executivo, espera-se que ela lidere de
maneira masculina ou com uma abordagem maternal. Qualquer comportamento que
não se encaixe nessas expectativas pode ser visto como falta de competência.
Além disso, há uma carência de planos de carreira que considerem o fluxo produtivo
feminino, especialmente porque as mulheres ainda enfrentam a dura realidade das
jornadas triplas de trabalho. Precisamos nos provar dez vezes mais do que os
homens, e isso é uma barreira imensa que nos distancia das oportunidades de
alcançar cargos executivos. Muitas vezes, uma mulher só se candidata a uma vaga
se sentir que atende a 100% dos requisitos, enquanto os homens se candidatam
mesmo sem cumprir todos os critérios (50% normalmente é o suficiente para eles). - Em sua opinião, como a introdução de tecnologias emergentes, como a inteligência
artificial, pode impactar a igualdade de gênero no ambiente de trabalho?
O impacto das tecnologias emergentes no ambiente de trabalho é imenso,
especialmente em áreas como TI, onde o desenvolvimento dessas inovações ainda
é amplamente dominado por homens. Dentro da minha rede de contatos, vejo
muitas mulheres ocupando cargos importantes, desenvolvendo novas tecnologias e
liderando outras mulheres. No entanto, ao sair dessa bolha, a realidade é bem
diferente, com uma significativa falta de representatividade feminina.
Apesar disso, estamos vivendo um momento de ascensão das mulheres, com
diversos programas de incentivo, como o PROGRAMARIA, que busca empoderar e
capacitar mais mulheres nessa área. Agora, mais do que nunca, precisamos criar
um futuro diferente, prestando atenção em questões que muitas vezes passam
despercebidas.
Um exemplo específico disso é o fato de que a maioria das assistentes virtuais têm
nomes e vozes femininas, enquanto muitas IAs assumem papéis mais masculinos.
Isso me preocupa, pois reforça a ideia de que as mulheres são vistas principalmente
como suporte ou serviçais, enquanto os homens são associados à autoridade e ao
controle.
É crucial que as tecnologias sejam vistas como ferramentas de apoio no processo
de trabalho, e não como substitutos para a presença humana. No entanto, parece
que queremos avançar em direção a uma substituição, o que pode agravar ainda
mais as desigualdades de gênero se não tomarmos cuidado. - Você acredita que políticas como licença parental estendida e horários de trabalho
flexíveis têm contribuído significativamente para a equidade de gênero nas
empresas?
Significativamente, sinceramente, não. Esses direitos podem, talvez, facilitar a
permanência das mulheres nos cargos que já ocupam, mas quando se trata de
ampliar as contratações e promover mais mulheres para cargos de liderança, não
vejo uma contribuição efetiva. A menos que as lideranças entendam a importância
de dar mais tempo e flexibilidade às mulheres, reconhecendo sua capacidade
produtiva em um contexto que respeite suas necessidades.
Além disso, é crucial que os homens também estejam preparados para lidar com a
produtividade cíclica feminina, compreendendo como o machismo estrutural os afeta
e reconhecendo como a diversidade contribui para o desenvolvimento coletivo e,
consequentemente, para o sucesso dos negócios. Para que essas políticas
realmente façam a diferença, precisamos de mais mulheres em cargos de liderança.
A empatia e o entendimento que vêm da representatividade feminina nas lideranças
podem ser fatores decisivos para criar um ambiente de trabalho mais justo e
inclusivo. - Como as empresas podem melhorar suas práticas de contratação e promoção para
garantir uma maior diversidade de gênero em suas equipes executivas?
Para garantir mais diversidade de gênero nas equipes executivas, as empresas
precisam ter métricas e políticas de equidade de gênero, diversidade e inclusão que
sejam realmente efetivas. É importante entender que partimos de lugares diferentes,
especialmente quando falamos de questões raciais e socioambientais. Por exemplo,
uma mulher negra periférica teve acessos e oportunidades muito diferentes de uma
mulher branca de classe média.
As empresas também precisam estar preparadas para acolher mães, oferecendo
apoio como auxílio-babá ou creche, e criando espaços onde as crianças possam ser
recebidas. Além disso, é fundamental incentivar que os pais também se valham
desses recursos e compartilhem o cuidado dos filhos junto com as mães. Isso ajuda
a criar um ambiente mais justo e inclusivo, onde a responsabilidade parental é
compartilhada.
Mas, para que essas políticas realmente façam a diferença, elas precisam vir
acompanhadas de uma mudança cultural dentro das empresas. Isso significa
preparar as lideranças para reconhecer e valorizar a diversidade, e criar um espaço
onde todas as pessoas se sintam acolhidas e apoiadas. Só assim vamos conseguir
construir um ambiente de trabalho que seja verdadeiramente inclusivo e justo. - O que mais as empresas podem fazer para apoiar mulheres empreendedoras,
especialmente em termos de acesso a financiamento e redes de negócios?
As empresas têm um papel essencial em apoiar mulheres empreendedoras,
especialmente no que diz respeito ao acesso a financiamento e redes de negócios.
Além de criar programas de mentoria e capacitação focados nas necessidades
específicas das mulheres, as empresas podem fazer ainda mais ao priorizar
parcerias e contratações com empresas lideradas por mulheres. Isso não só abre
portas para essas empreendedoras, mas também reforça o compromisso da
empresa com a equidade de gênero.
Outra forma de apoio é promover a visibilidade das mulheres empreendedoras em
eventos e conferências. É importante convidá-las ao palco para compartilhar suas
expertises, e não apenas quando o evento é focado em temas relacionados a
mulheres. Isso ajuda a normalizar a presença feminina em todas as áreas do
negócio, mostrando que elas têm conhecimento e experiências valiosas a contribuir.
Além disso, as empresas podem estabelecer parcerias com fundos de investimento
e instituições financeiras comprometidas com a equidade de gênero, criando
condições mais acessíveis para o financiamento de negócios liderados por
mulheres. Criar ou apoiar redes de negócios inclusivas que incentivem a troca de
experiências e a colaboração entre mulheres empreendedoras também é
importante.
Ao promover a visibilidade das empreendedoras através de campanhas de
marketing, eventos corporativos, e nas redes sociais, as empresas inspiram outras
mulheres e também demonstram um verdadeiro compromisso com a diversidade e a
inclusão no empreendedorismo. - Pode compartilhar algum exemplo de iniciativa ou programa que você considera
exemplar na promoção da igualdade de gênero em ambientes corporativos?
Existem várias iniciativas buscando fazer a diferença na promoção da igualdade de
gênero e na inclusão. Alguns exemplos notáveis incluem:
● Think Eva: Uma consultoria com a missão de sensibilizar a sociedade sobre
questões de gênero e educar e instrumentalizar pessoas dispostas a serem agentes
de transformação social.
● Programaria: Este programa prepara meninas e mulheres para as áreas de TI, onde
a predominância masculina ainda é forte. Através de educação e capacitação, o
Programaria está mudando o cenário e trazendo mais diversidade para o setor
tecnológico.
● Nós por Elas: Um programa que oferece suporte para que mulheres entendam suas
potencialidades e construam o futuro que desejam, fortalecendo sua autoconfiança e
autonomia.
● ID_BR: Uma iniciativa que acelera a evolução de empresas, organizações e
governos através da causa racial, promovendo uma inclusão efetiva e criando
oportunidades reais para pessoas negras e indígenas, colaborando na
transformação de suas carreiras e jornadas de vida.
Além disso, gostaria de destacar o recente fechamento da Plure, anteriormente
conhecida como “Se Candidate, Mulher”. Esta plataforma apoiou mais de 250 mil
mulheres no desenvolvimento e direcionamento para cargos de liderança. O
encerramento da Plure é um exemplo claro de como ainda precisamos de um
comprometimento mais profundo e investimentos reais para efetivar mudanças
substanciais no cenário corporativo. Carta aberta da fundadora da Plure:
https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7219306020928425985/ - Que conselhos você daria para jovens mulheres que aspiram a alcançar posições de
liderança em setores dominados por homens?
Alguns conselhos que eu gostaria de ter ouvido no início da minha carreira, mas que
aprendi ao longo do caminho árduo, muitos deles estou aprendendo agora aos 43
anos:
Estude e aprenda constantemente: Invista em educação e desenvolvimento
contínuo na sua área de interesse e aprenda coisas fora dele. Explore todas as
possibilidades e habilidades relacionadas ao seu campo. Aprender sobre finanças e
como usar o dinheiro a seu favor.
Desenvolva habilidades diversas: Adquira conhecimentos em tecnologias variadas
e aprenda duas línguas diferentes da sua. Essas habilidades adicionais podem abrir
novas oportunidades e enriquecer sua carreira.
Compartilhe conhecimento: Divida o que você aprende com os outros. Isso não só
ajuda a se aprimorar, mas também cria uma rede multiplicadora de conhecimento e
apoio. Seja voluntária em instituições que apoiam outras meninas.
Aprimore comunicação e liderança: Invista no desenvolvimento das suas
habilidades de comunicação e liderança. Ser capaz de articular suas ideias e liderar
de forma eficaz é fundamental para o sucesso em qualquer setor.
Mantenha sua autenticidade: Confie em suas capacidades e não tenha medo de
mostrar suas habilidades. Contribua com suas ideias e desafie o status quo quando
necessário.
Busque mentoria: Encontre mulheres que já estão onde você deseja estar e
aprenda com suas experiências.
Defenda a Diversidade e Inclusão: Seja uma defensora ativa da diversidade e
inclusão. Promover um ambiente inclusivo não só beneficia você, mas também cria
oportunidades para outras mulheres que virão depois de você.
Permita-se errar e ser leve: Não tenha medo de errar ou ser vista como “boba”. A
criatividade muitas vezes se perde quando tentamos nos adaptar demais.
Mantenha-se leve e feliz ao longo da sua jornada.
Por fim, lembre-se de não seguir conselhos de todo mundo, nem os meus rsrsrs.
Confie na sua experiência e no seu julgamento pessoal.
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